terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Korchnoi 0-1 Karpov, Campeonato Mundial, Merano (m/01), 1981

V. Korchnoi  0  x  1  A. Karpov
Campeonato Mundial, Merano (m/01), 1981

Comentários: Anatoli Karpov
[O primeiro a ganhar uma partida num match pelo campeonato mundial recebe considerável vantagem psicológica. Por Isso, o triunfo obtido logo no primeiro encontro e, além do mais, com negras foi duplamente agradável, especialmente por que joguei essa partida em grande estilo.]

1.c4 e6 2.Cc3 d5 3.d4 Be7 4.Cf3 Cf6 5.Bg5 h6 6.Bh4 O-O 7.e3 b6 8.Tc1 Bb7 9.Be2 Cbd7 
[Até o nono movimento repete-se a partida inicial de Baguio (match, 1978). Então Korchnoi jogou 9.Bd3, ao que eu respondi 9... dxc4 10.Bxc4 Cbd7. Logicamente, agora depois de 9... dxc4 10.Bxc4 a posição podia repetir-se. Assim ocorreu na terceira partida do Match. A jogada 9... Cbd7 assim mesmo é bem conhecida.]

10.cxd5 exd5 11.O-O c5 
[A continuação 11... Ce4 12.Bxe7 Dxe7 13.Db3 Cdf6 14.Cxe4 Cxe4 15.Tc2 dá as brancas visível vantagem (Portisch-Vaganian, Niksic, 1979).]

12.dxc5 
[Nos últimos anos, em torneios de Grandes Mestres varias vezes se efetuou a jogada Bb5, que dava vantagem as brancas. Claro, eu sabia o quer fazer depois do ataque do bispo, mas o desafiante não me deu oportunidade de exibir a “Preparação caseira”.]

12... bxc5 13.Dc2
[Assim jogou contra mim V. Hort (Amsterdam, 1981), mas então sem a troca em c5. O Grande Mestre Tchescoslovaco conseguiu ganhar essa partida porque eu joguei demasiado frenesi. O movimento da dama a c2, nessa posição pelo visto é novo, mas não é perigoso para as pretas.]

13... Tc8 14.Tfd1 Db6 15.Db1
[Esse movimento e o tempo gasto em escolhe-la - cerca de meia hora - indicaram que Korchnoi não se sentia muito seguro nessa abertura. Era melhor colocar a dama em b3 do que tira-la do cenário de acontecimentos fundamentais. Na sala de imprensa propuseram 15.b3 com possível traslado do cavalo a a4. Claro, as brancas não haviam cometido, todavia, um erro grave e não estavam obrigadas a perder, mas cabe dizer que também as pretas deixaram de experimentar dificuldades.]

15... Tfd8 16.Tc2 De6 
[Em geral não se deve colocar a dama diante de suas peças, mas este caso é uma exceção as regras. A dama defende o peão central e o bispo  em e7 (17.Tcd2? Ce4! 18.Cxe4 dxe4 19.Bxe7 exf3 20.Bxd8 fxe2 21.Txd7 Dg4 com iniciativa), ficando ao mesmo tempo invulnerável.]

17.Bg3
[Permite as pretas fazer uma troca vantajosa.]

17... Ch5!
[É curioso que a jogada do cavalo h5 desempenhou significativo papel no match, precisamente ela reportou em duas vitórias, nessa partida e na nona partida.]

18.Tcd2 Cxg3 19.hxg3 Cf6
[Também era como da outra distribuição de forças: cavalo em b6 e o bispo em f6.]

20.Dc2 g6 21.Da4
[As deslocações da dama branca nessa partida não produz grande impressão.] 

21... a6 22.Bd3 Rg7 23.Bb1 Db6 
[Aqui as brancas deviam buscar melhor final mediante 24.Db3 ou retroceder com o cavalo 24.Ce2. No lugar disso cometeram um erro decisivo.]

24.a3?
[O desejo de organizar outro ataque ao peão d5 é compreensível, mas as brancas espera amargo desencanto. Parece um pouco estranho que a posição já esteja perdida para as brancas, talvez seja resultado de suas ações passivas.] 




24... d4!! 25.Ce2
[Depois deste movimento do cavalo, a supremacia das pretas se faz demasiadamente evidente. Claro, antes de efetuar a ruptura no centro, eu estudei minuciosamente as variantes vinculadas com 25.exd4. A esta jogada seguia 25... Bc6!, e depois da resposta 26.Dc4 (26.Dc2 Bxf3 27.gxf3 cxd 28.Ca4 Db5, ganhando o cavalo) havia que escolher uma das continuações sedutoras: 26... cxd 27.Cxd4 Bxg2; ou bem 26... Bxf3 27.gxf3 (27.Ba2 não é perigoso, 27... Bxd1 28.Dxf7+ Rh8 29.Txd1 Cg8) 27... cxd com o seguinte final possível, sugerido por M. Tal: 28.Ca4 Db5 29.De2 Te8! 30.Dxb5 (30.b3 Dxb3 31.Cb2 Bxa3) 30... axb 31.Cb6 Tc6, e as brancas ficam sem peça.]

25... dxe3 26.fxe3 c4
[Não precisa ser Grande Mestre para avaliar corretamente esta posição.]

27.Ced4 Dc7 28.Ch4
[Ingênua armadilha 28... Dxg3 29.Chf5+.]

28... De5 29.Rh1 Rg8
[Era forte também 29... Cg4, eu vi que depois de 30.Chf5+ gxf5 31.Cxf5+, as negras teriam a resposta 31... Rg8! (mas não 31... Rh8 32.Txd8+ Txd8 33.Txd8+ Bxd8 34.Db4!), mas resolvi evitar complicações.]

30.Cdf3 Dxg3
[O resto da partida não tem muito interesse. Eu poderia ter vencido mais rápido, mas devido ao apuro no tempo mutuo demorei um pouco.] 

31.Txd8+ Bxd8 32.Db4 Be4 33.Bxe4 Cxe4 34.Td4 Cf2+ 35.Rg1 Cd3 36.Db7 Tb8 37.Dd7 Bc7 38.Rh1 Txb2 39.Txd3 cxd3 40.Dxd3 Dd6 41.De4 Dd1+ 42.Cg1 Dd6 43.Chf3 Tb5 44. abandonam   (0-1)

[ Fonte: Mosaico Ajedrecistico, ed. 1984,  pag.13-15 ] 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

LIÇÕES DE CAPABLANCA

 LIÇÕES DE CAPABLANCA
(J. Capablanca)

AS FASES DA PARTIDA

Para o estudo e prática do xadrez convém dividir o jogo em três fases, a saber: a abertura, o meio-jogo e o final. Estas três fases estão intimamente ligadas umas às outras, e seria um grave erro estudar a abertura sem levar em conta o meio-jogo e o final. Da mesma forma seria um erro estudar o meio do jogo sem ter em conta o final.

O raciocínio interior demonstra claramente que para aperfeiçoar-se no xadrez deve estudar-se, antes de tudo, o final, pois este pode estudar-se e aprender-se por si somente, enquanto o meio-jogo e a abertura unicamente devem estudar-se com relação ao final.

Este fato evidentemente tem sido posto de lado por quase todas as autoridades na matéria, com resultados funestos para a grande massa de amadores de xadrez. Assim, encontra-se inúmeros trabalhos e livros sobre aberturas. Em troca, os livros sobre finais são raros. Ademais, quase todas as obras sobre finais são recopilações de finais diversos, sem explicações de nenhuma classe ou explicações inadequadas, de modo que a maioria dos jogadores que intenta estudá-los se encontra sem a ajuda necessária para propiciar aos seus trabalhos.

Nestas lições, trataremos de sanar, pelo menos em parte, essas deficiências. Nossos leitores devem ter presente sempre que, a nosso juízo, não se pode ter um conceito exato das aberturas, nem se pode avaliar grande número de variantes em diversas aberturas, sem um conhecimento adequado dos finais.

Sempre recordo o caso de um eminente periodista deste país, pessoa excelente, bem educada e, naquela época, campeão de xadrez no Estado em que residia. Meu amigo dedicou muito tempo e energia ao estudo das aberturas. Quando eu passava pela sua cidade, sempre vinha buscar-me na estação e me hospedava em sua casa. Amiúde conversávamos e me perguntava por tal ou qual variante, e em seu grande assombro, quase sempre lhe respondia: “Não a conheço”.




IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL DOS FINAIS

Então, dizia-me: “Como se arranja o senhor quando alguém os joga”? Respondia-lhe eu: “Noventa por cento das variantes nos livros não valem grande coisa, pois ou estão equivocadas, ou partem de uma base que eu considero falsa; deixe as aberturas em paz e dedique todo esse tempo aos finais. Tirará o senhor maior proveito”.

Tinha eu nessa época, uns vinte anos. Meu amigo, muito mais velho, não aceitou meu conselho, provavelmente tomou-o como conselho de jovem, sem suficiente experiência.

O resultado foi que o meu amigo nunca progrediu e seguiu sabendo muitas variantes de diversas aberturas; porém toda vez que participou de um torneio, fora de seu Estado, fez má figura.

Pessoalmente, devo acrescentar que minha habilidade nos finais proporcionou-nos muitas vitórias ressonantes, e hoje em dia, nos poucos textos sobre o assunto, tratam-se alguns desses finais baseando-se somente em minhas partidas. Sobre este assunto, eis aqui uma história curiosa:


Faz já aproximadamente trinta anos que, jogando contra Nimzowitsch, ganhei um final que todos os espectadores e meu adversário acreditavam que seria empate. Não me ocupei mais do assunto, porém, um ano mais tarde, encontrei-me de novo com Nimzowitsch, e ele me disse: “Recorda o senhor aquele final que me ganhou? Eu me equivoquei em meu sistema de defesa; devia ter sido empate”.

Respondi-lhe que não voltara a ocupar-me do assunto, porém que tinha certeza de que o equivocado era ele, pois eu nunca duvidara de minha vitória durante o transcorrer desse final. Insistiu ele que eu estava errado, acrescentando que havia estudado o final e estava certo de que podia empatar. Disse, ainda que estava disposto a reforçar sua opinião com uma pequena aposta.

Embora eu não tivesse voltado a ver a posição, aceitei a aposta e, sem demora, sentamo-nos para jogar o final. Nas primeiras jogadas, o meu adversário convenceu-se de que havia defesa e pagou a aposta.